Quarta-feira,
23 de Outubro de 2024
XXIX Semana
do Tempo Comum – Ano B
Ef 3, 2-12; Is 12; Lc 12, 39-48
A última
frase do Evangelho de hoje pode chamar a nossa atenção: “A quem muito foi dado,
muito será exigido; a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá.” O que é que
nós temos sem que o tenhamos recebido do Senhor? Não temos nada. Tudo vem do
Senhor: os nossos pais, a nossa vida, o que adquirimos durante a nossa vida, a
educação, a formação, os bens materiais e espirituais e, evidentemente, aquilo
em que cada um de nós se tornou. A questão é: o que é que temos feito com tudo
o que recebemos?
Jesus
pede-nos que não imitemos o servo que não se preocupa com o regresso do seu
Senhor. Ouçamos mais uma vez: “Mas se aquele servo disser consigo mesmo: ‘O meu
senhor tarda em vir’;
e começar a
bater em servos e servas, a comer, a beber e a embriagar-se, o senhor daquele
servo chegará no dia em que menos espera e a horas que ele não sabe; ele o
expulsará e fará que tenha a sorte dos infiéis.” É certo que podemos pensar no
fim do mundo, mas é todos os dias que o Senhor vem ao nosso encontro, nos
interpela e nos pergunta se ainda estamos ao serviço. Estamos ao serviço de
Deus, da Igreja, dos nossos irmãos e irmãs?
Nos relatos
e discursos evangélicos, não encontramos qualquer convite ao trabalho ou
instruções sobre o trabalho. Mas diz-se que Jesus era um “artesão” (Mc
6, 3), filho de um artesão (Mt 13, 55). Os Seus primeiros discípulos
eram pescadores (Mt 1, 16-20), um deles era cobrador de impostos (Mt
2, 14). Passa-se de um ofício aprendido com o pai, cuja função é garantir a
subsistência da família, para um ofício suscitado por uma “vocação”
carismática, promovida por Deus ou por um dos Seus porta-vozes, para criar uma
nova actividade para o bem da multidão, à semelhança de Moisés, David e outros
líderes de Israel. Pensemos em Eliseu e Amós, agricultores ou criadores de
gado, que se tornaram profetas. Os apóstolos, por exemplo, mudaram a sua vida
profissional graças ao encontro com Jesus, o Cristo. Não se trata de uma
espécie de promoção, segundo os padrões humanos. É antes um chamamento a
tornar-se “servos” do Senhor para um trabalho de carácter espiritual, que
implicará perseguições (Mt 5, 11-12), humilhações (Mt 23, 11-12)
e até o dom da vida (Mt 16, 25; 23, 34-35).
Nas
parábolas, são mencionados vários tipos de trabalho: o semeador (Mt 13, 3),
o operário (Mt 20, 1), o negociante de pérolas (Mt 13, 45), o
porteiro (Mt 24, 45), o administrador (Lc 16, 1), mas também a
dona de casa que amassa a farinha (Mt 13, 33). Há um convite a amar a
seriedade no trabalho, a ter cuidado e sabedoria, qualidades que tornam o servo
digno de confiança (Mt 8, 9; 24, 45; 25, 21). O sentimento de confiança
num resultado seguro, fruto de um trabalho bem feito, é também encorajado (Mt
7, 24-25; 24, 46; 25, 29). Não há mérito em ser digno de Deus, pois cada um
deve considerar-se um “servo inútil”, contente por ter cumprido o seu dever (Lc
17, 10).
Devemos
falar dos ministérios do ensino e da cura que os discípulos devem exercer
seguindo Jesus (Mt 9, 37-38; Jo 5, 17; 9, 4)? Devemos comparar
este trabalho com o do lavrador, do semeador, do ceifeiro, do pastor ou do
pecador? Esse trabalho dá frutos, ou dá direito a um salário, a uma recompensa
pelo serviço prestado (Mt 10, 10; 20, 2; Lc 10, 7)? Será só uma
metáfora? Os compromissos de carácter espiritual são apreciados. O Mestre
orienta o desejo para recompensas celestes duradouras que nos enchem de felicidade
suprema. É preciso ultrapassar a crítica de Qohélet à vaidade da actividade
humana. “Se alguém não quer trabalhar, também não coma” (2 Ts 3, 10).
Este é o conselho do apóstolo Paulo. “Quem roubava não volte a roubar;
esforce-se, antes, por trabalhar com as próprias mãos, fazendo o bem, para que
tenha o que partilhar com quem passa necessidades” (Ef 4, 28). Não
devemos apenas prover ao nosso sustento, mas também partilhar com os outros,
especialmente com os mais desfavorecidos. A este respeito, Paulo apresenta-se
como um exemplo a imitar. De facto, a obra de Cristo e dos discípulos imita a
do próprio Deus (Jo 4, 34; 5, 17; 17, 4). Torna-se um modelo inspirador
para todos os domínios e modalidades do trabalho humano, introduzindo o
princípio do “serviço” (Lc 22, 26-27; Jo 13, 13-17), da
“gratuidade” (Mt 10, 8; 2 Cor 11, 7), mas também da renúncia à
acumulação de bens (Mt 10, 10). A generosidade é fortemente desejada,
porque permite aos outros beneficiarem do fruto do próprio trabalho (Mt
19, 21). Esta partilha não é um sinal claro de amor?
O trabalho
realizado como “serviço” (diakonia) e ordenado pelo Senhor produz frutos
para todos (1 Cor 9, 22). Por isso, é importante ter colaboradores, bons
colaboradores na preciosa tarefa de anunciar o Evangelho, que são, em última
análise, “colaboradores de Deus” (1 Cor 3, 9; Mc 16, 20). O
trabalho missionário pode ser comparado ao trabalho agrícola (1 Cor 3, 5-9)
e/ou ao trabalho de construção (1 Cor 3, 10.14). Mas há que reconhecer
que só Deus é que faz crescer a planta (1 Cor 3, 7). Só Cristo é o fundamento
sólido do edifício que é a Igreja (1 Cor 3, 11).
Por isso, é
importante dar graças ao Senhor quando o que fazemos tem êxito: “Dai graças ao
Senhor, proclamai o Seu nome, proclamai entre os povos as Suas grandes obras!
Repitamos: “Sublime é o Seu nome! Deus escolhe-nos para colaborar na Sua
missão, na Missio Dei, mesmo que sejamos frágeis, pecadores e pequenos.
Escutemos Paulo: “Deste Evangelho me tornei ministro, pelo dom da graça que
Deus me concedeu pela força do Seu poder. A mim, o último de todos os santos, foi
concedida a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo.”
Agradeçamos,
e que o Senhor continue a encher-nos com os Seus dons, com o Seu Espírito que
fará de nós extraordinários operários e missionários, nas pegadas de Paulo, de
Pedro, de João Paulo II, de Bento XVI, do Papa Francisco e de todas as
testemunhas de Cristo Jesus.
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