Para um rosto missionário da Igreja em Portugal V (conclusão)

Fiéis leigos: contributo indispensável no coração do mundo


24. Em 1975, dez anos após a realização do Concílio, Paulo VI saudava, com particular afecto, os fiéis leigos envolvidos na actividade missionária: «Devemos também a nossa particular estima a todos os fiéis leigos que aceitam dedicar uma parte do seu tempo, das suas energias, e, por vezes, a vida inteira, ao serviço das missões»[55]. E João Paulo II salientava, com inteira justiça, em 1990, entre os «muitos frutos missionários do Concílio», «o empenhamento dos leigos no serviço da evangelização, que está a mudar a vida eclesial»[56]. O mesmo podemos constatar em Portugal, sobretudo através dos jovens que todos os anos, e cada vez em maior número, doam, com alegria e generosidade, um pouco da sua vida ao mundo missionário, e que regressam com novo entusiasmo, que temos de saber acolher, estimular e multiplicar, e nunca ignorar, esquecer ou reprimir. Mas já o Decreto Ad Gentes salientava a seu tempo a importância da presença imprescindível dos fiéis leigos, do testemunho que devem dar, e o cuidado que se deve pôr na sua formação: «A Igreja não está fundada verdadeiramente, nem vive plenamente, nem é o sinal perfeito de Cristo entre os homens se, com a hierarquia, não existe e trabalha um laicado autêntico. De facto, sem a presença activa dos leigos, o Evangelho não pode gravar-se profundamente nos espíritos, na vida e no trabalho de um povo. Por isso, é necessário desde a fundação da Igreja prestar grande atenção à formação de um laicado cristão amadurecido (…). O principal dever deles, homens e mulheres, é o testemunho de Cristo, que eles têm obrigação de dar, pela sua vida e palavras, na família, no grupo social, no meio profissional»[57].

25. E Paulo VI, na Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, salienta bem algumas áreas sensíveis, onde a acção evangelizadora dos fiéis leigos pode ser determinante: «O campo próprio da sua actividade evangelizadora é o mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, mas também da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos “mass media”, e ainda outras realidades abertas à evangelização, como são o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento»[58]. E Bento XVI lembrou aos Bispos portugueses que «os tempos em que vivemos exigem um novo vigor missionário dos cristãos, chamados a formar um laicado maduro, identificado com a Igreja e solidário com a complexa transformação do mundo», e insistiu em que «há necessidade de verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo, sobretudo nos meios humanos onde o silêncio da fé é mais amplo e profundo», e salientou a propósito os meios «políticos, intelectuais e dos profissionais da comunicação»[59]. É, portanto, imperioso constituir, preparar e formar grupos consistentes de evangelização, também por áreas profissionais, uma verdadeira rede de evangelização, que, no coração do mundo, sinta a alegria de levar o Evangelho a todos os sectores da vida, desde a família, à escola, ao trabalho, aos tempos livres, à solidão, à dor.

26. É urgente saber aproveitar todas as oportunidades, mas também saber provocá-las, e lançar mão de capacidades e aptidões, mas também saber cultivá-las, para oferecer o Evangelho ao nosso mundo. Neste domínio, as crianças e os jovens, quando devidamente preparados e estimulados, parecem particularmente aptos para criar relações de simpatia e de acolhimento, de modo a saberem dar o Evangelho juntamente com a sua própria vida (cf. 1 Ts 2,8), estabelecendo relações significativas com as pessoas que frequentam a Igreja, com as que estão «à porta», e também no caminho ou na estrada. Neste sentido, as crianças e os jovens podem tornar-se os mais eficazes evangelizadores das crianças e dos jovens, mas também dos adultos e idosos, dado o seu interesse pelos outros e por tudo o que é novo. Neste sentido, também os jovens ouviram palavras de estímulo do Papa Bento XVI: «Jovens amigos […], testemunhai a alegria desta sua [de Jesus Cristo] presença forte e suave, a todos, a começar pelos da vossa idade. Dizei-lhes que é belo ser amigo de Jesus e que vale a pena segui-l’O[60]». A altura em que recebem o sacramento da Confirmação constitui uma oportunidade especial para serem familiarizados com o mandato missionário da Igreja, e para lhes serem confiadas tarefas missionárias que sejam capazes de assumir.

27. E, porque levamos ainda connosco, com amor, os traços mais salientes da memória viva do Ano Paulino, não podemos deixar de evocar e invocar, e, se possível, imitar, essa figura ímpar do «maior missionário de todos os tempos»[61] e «modelo de cada evangelizador»[62], que se dedicou ao Evangelho a tempo inteiro e de corpo inteiro, adscrevendo muitas vezes ao seu nome os títulos de «servo» e «apóstolo». A sua dedicação total, gerando comunidades (1 Cor 4,14-15; Flm 10), dando-as à luz (Gl 4,19), velando zelosamente por elas (2 Cor 11,2; 12,14-15), acalentando-as e exortando-as, como uma mãe ou um pai (1 Ts 2,2-12)[63], e rodeando-se de uma vasta rede de muitos e bons e bem formados cooperadores, deve continuar a iluminar os nossos passos.

28. Que Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, Senhora da Anunciação e da Saudação, vele por nós, nos molde no seu jeito maternal e evangelizador, e abençoe os nossos trabalhos e propósitos.

Senhora da Anunciação,
que corres ligeira sobre os montes,
vela por nós,
fica à nossa beira.
É bom ter a esperança como companheira.

Contigo rezamos ao Senhor:
Dá-nos, Senhor,
um coração sensível e fraterno,
capaz de escutar
e de recomeçar.

Mantém-nos reunidos, Senhor,
à volta do pão e da palavra.
Ajuda-nos a discernir
os rumos a seguir
nos caminhos sinuosos deste tempo,
por Ti semeado e por Ti redimido.

Ensina-nos a tornar a tua Igreja toda missionária,
e a fazer de cada paróquia,
que é a Igreja a residir no meio das casas dos teus filhos e filhas,
uma Casa grande, aberta e feliz,
átrio de fraternidade,
de onde se possa sempre ver o céu,
e o céu nos possa sempre ver a nós.


Fátima, 17 de Junho de 2010


[55] PAULO VI, Evangelii Nuntiandi, 73.

[56] JOÃO PAULO II, Redemptoris Missio, 2.

[57] CONCÍLIO VATICANO II, Ad Gentes, 21.

[58] PAULO VI, Evangelii Nuntiandi, 70; ver também, no mesmo espírito, CONSELHO EPISCOPAL LATINO-AMERICANO, Documento de Aparecida, 174 e 210.

[59] BENTO XVI, Discurso no Encontro com os Bispos de Portugal, Fátima, 13 de Maio de 2010.

[60] BENTO XVI, Homilia da Santa Missa, Praça do Terreiro do Paço, Lisboa, 11 de Maio de 2010.

[61] O Papa Bento XVI consagra esta expressão na sua Mensagem para o 45.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações (13 de Abril de 2008), 3. A Mensagem traz a data de 3 de Dezembro e 2007.

[62] PAULO VI, Evangelii Nuntiandi, 79.

[63] PAULO VI, Evangelii Nuntiandi, 79.

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