Carta do Papa em vista
do mês missionário extraordinário - 2019
Ao Venerado Irmão
Cardeal Fernando Filoni
Prefeito da Congregação para a
Evangelização dos Povos
No dia 30 de novembro de 2019, ocorrerá
o centenário da promulgação da Carta Apostólica Maximum illud, com a qual Bento
XV quis dar novo impulso à responsabilidade missionária de anunciar o Evangelho.
Estávamos no ano de 1919! Terminado um conflito mundial terrível, que ele mesmo
definiu por «massacre inútil», o Papa sentiu necessidade de requalificar
evangelicamente a missão no mundo, purificando-a de qualquer incrustação
colonial e preservando-a daquelas ambições nacionalistas e expansionistas que
causaram tantos revés. «A Igreja de Deus é universal – escrevia –, nenhum povo
lhe é estranho», exortando ele também a rejeitar qualquer forma de interesses,
já que só o anúncio e a caridade do Senhor Jesus, difundidos com a santidade da
vida e as boas obras, constituem o motivo da missão. Assim Bento XV deu um
particular impulso à missio ad gentes, esforçando-se, com os meios concetuais e
comunicativos de então, por despertar, especialmente no clero, a consciência do
dever missionário.
Este dá resposta ao perene convite de
Jesus: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda criatura» (Mc 16,
15). Aderir a este mandato do Senhor não é opcional para a Igreja; é uma
«obrigação» que lhe incumbe, como recordou o Concílio Vaticano II, pois a
Igreja «é, por sua natureza, missionária». «Evangelizar constitui, de facto, a
graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe
para evangelizar. A fim de corresponder a tal identidade e proclamar Jesus
crucificado e ressuscitado por todos, como Salvador vivente, Misericórdia que
salva, «a Igreja, movida pelo Espírito Santo, deve – afirma também o Concílio –
seguir o mesmo caminho de Cristo: o caminho da pobreza, da obediência, do serviço
e da imolação própria até à morte», de modo que comunique realmente o Senhor,
«modelo da humanidade renovada e imbuída de fraterno amor, sinceridade e
espírito de paz, à qual todos aspiram».
Aquilo que há quase cem anos Bento XV
tinha a peito e que o documento conciliar nos está a recordar há mais de
cinquenta anos, permanece plenamente atual. Hoje, como então, «enviada por
Cristo a manifestar e a comunicar a todos os homens e povos a caridade de Deus,
a Igreja reconhece que tem de levar a cabo uma ingente obra missionária». A
propósito, São João Paulo II observou que «a missão de Cristo redentor,
confiada à Igreja, está ainda bem longe do seu pleno cumprimento» e que «uma
visão de conjunto da humanidade mostra que tal missão está ainda no começo, e
que devemos empenhar-nos com todas as forças no seu serviço». Por isso ele, com
palavras que eu gostaria agora de repropor a todos, exortou a Igreja a um
«renovado empenhamento missionário», convicto de que «a missão renova a Igreja,
revigora a sua fé e identidade, dá-lhe novo entusiasmo e novas motivações. É
dando a fé que ela se fortalece! A nova evangelização dos povos cristãos também
encontrará inspiração e apoio, no empenho pela missão universal».
Ao recolher na Exortação
Apostólica Evangelii gaudium os frutos da XIII Assembleia Geral Ordinária do
Sínodo dos Bispos, convocada para refletir sobre a nova evangelização para a
transmissão da fé cristã, quis apresentar de novo a toda a Igreja a mesma
impelente vocação: «João Paulo II convidou-nos a reconhecer que “não se pode
perder a tensão para o anúncio” àqueles que estão longe de Cristo, “porque esta
é a tarefa primária da Igreja”. A atividade missionária “ainda hoje representa
o máximo desafio para a Igreja” e “a causa missionária deve ser (…) a primeira de
todas as causas”. Que sucederia se tomássemos realmente a sério estas palavras?
Simplesmente reconheceríamos que a acção missionária é o paradigma de toda a
obra da Igreja».
E tudo aquilo que pretendia expressar
continua ainda a parecer-me inadiável: «possui um significado programático e
tem consequências importantes. Espero que todas as comunidades se esforcem por
atuar os meios necessários para avançar no caminho duma conversão pastoral e
missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos
serve uma “simples administração”. Constituamo-nos em “estado permanente de
missão”, em todas as regiões da terra». Com confiança em Deus e muita coragem,
não temamos empreender «uma opção missionária capaz de transformar tudo, para
que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura
eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo atual
que à auto-preservação. A reforma das estruturas, que a conversão pastoral
exige, só se pode entender neste sentido: fazer com que todas elas se tornem
mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias seja
mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em atitude
constante de “saída” e, assim, favoreça a resposta positiva de todos aqueles a
quem Jesus oferece a sua amizade. Como dizia João Paulo II aos Bispos da
Oceânia, “toda a renovação na Igreja há de ter como alvo a missão, para não
cair vítima duma espécie de introversão eclesial”».
Com espírito profético e ousadia
evangélica, a Carta Apostólica Maximum illud exortara a sair das fronteiras das
nações, para testemunhar a vontade salvífica de Deus através da missão
universal da Igreja. A aproximação do seu centenário sirva de estímulo para
superar a tentação frequente que se esconde por detrás de cada introversão
eclesial, de todo o fechamento autorreferencial nas próprias fronteiras
seguras, de qualquer forma de pessimismo pastoral, de toda a estéril nostalgia
do passado, para, em vez disso, nos abrirmos à jubilosa novidade do Evangelho.
Também nestes nossos dias, dilacerados pelas tragédias da guerra e insidiados
pela funesta vontade de acentuar as diferenças e fomentar os conflitos, seja
levada a todos, com renovado ardor, e infunda confiança e esperança a Boa Nova
de que, em Jesus, o perdão vence o pecado, a vida derrota a morte e o medo e
triunfa sobre a angústia.
Com estes sentimentos, acolhendo a
proposta da Congregação para a Evangelização dos Povos, proclamo outubro de
2019 como Mês Missionário Extraordinário, com o objetivo de despertar em medida
maior a consciência da missio ad gentes e retomar com novo impulso a
transformação missionária da vida e da pastoral. Poder-nos-emos preparar
convenientemente para ele já através do mês missionário de outubro do próximo
ano, de modo que todos os fiéis tenham verdadeiramente a peito o anúncio do
Evangelho e a transformação das suas comunidades em realidades missionárias e
evangelizadoras; e aumente o amor pela missão, que «é uma paixão por Jesus e,
simultaneamente, uma paixão pelo seu povo».
A ti, venerado Irmão, ao
Dicastério a que presides e às Obras Missionárias Pontifícias, confio a tarefa
de pôr em marcha a preparação deste acontecimento, especialmente através duma
ampla sensibilização das Igrejas Particulares, dos Institutos de Vida
Consagrada e das Sociedades de Vida Apostólica, bem como das associações,
movimentos, comunidades e outras realidades eclesiais. Que o Mês Missionário
Extraordinário se torne uma ocasião de graça intensa e fecunda para promover
iniciativas e intensificar de modo particular a oração – alma de toda a missão
–, o anúncio do Evangelho, a reflexão bíblica e teológica sobre a missão, as
obras de caridade cristã e as ações concretas de colaboração e solidariedade
entre as Igrejas, de modo que se desperte e jamais nos seja roubado o
entusiasmo missionário.
Do Vaticano, no dia 22 de outubro – XXIX
Domingo do Tempo Ordinário, Memória de São João Paulo II, Dia Mundial das
Missões – do ano de 2017.
FRANCISCUS
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