POR UMA IGREJA MAIS MISSIONÁRIA



D. António Couto, presidente da Comissão Episcopal das Missões, defende, em entrevista publicada na edição especial do semanário Agência ECCLESIA, a necessidade de um maior compromisso missionário de todos os católicos e advoga mudanças na forma de encarar a acção pastoral das comunidades.Anunciar o Evangelho porquê e para quê? Num mundo cada vez mais plural, são muitas as novas fronteiras da Missão, que desafiam modelos tradicionais de pensamento e acção, por parte da Igreja.

Diálogo e anúncio são caminhos diversos na relação com os não-cristãos ou podem estar em sintonia?

É claro que estão em sintonia, completando- se mutuamente. Bastará ler com atenção a Instrução «Diálogo e anúncio: reflexões e referências sobre o anúncio do Evangelho e o diálogo inter-religioso», de 19 de Maio de 1991, do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso e da Congregação para a Evangelização dos Povos. O Diálogo é um caminho que se deve cultivar sempre. Aproxima as pessoas, cria laços de amizade, faz-nos ver que todos temos coisas belas e ricas a transmitir e a receber. Também o amor aos irmãos nos fará muitas vezes entrar pela via do diálogo. O anúncio leva-nos a dizer claramente Cristo, a nossa riqueza fundamental.

Encontramos, por vezes, belas surpresas. Refiro o caso do velho missionário americano Bob McCahill, dos Padres de Maryknoll. Trabalha no Bangladesh há mais de 30 anos, e, como o próprio confessa, nunca anunciou publicamente o Evangelho. O Bangladesh é um país de extrema pobreza e com uma população maioritariamente muçulmana. Bob McCahill faz a sua oração da manhã e celebra a Eucaristia sozinho, na sua barraca, e depois pega na bicicleta e vai ao encontro das pessoas: fala com todos, mas presta particular atenção aos doentes. Muda de terra de três em três anos. No primeiro ano, as pessoas olham este americano com alguma desconfiança. No segundo ano, já o olham com simpatia. No terceiro ano, cria-se um clima de grande simpatia e perguntam-lhe a razão de querer viver no meio deles. É então que ele fala de Jesus Cristo.


Faz sentido quantificar/qualificar o trabalho missionário pelo número de conversões?

Faz sentido ver o trabalho missionário pela intensidade da nossa dedicação e testemunho. De resto, diz o Evangelho, desmentindo a estatística, que se deve procurar e encontrar com afinco a ovelha perdida. É uma só, mas conta tanto como milhões. A estatística, todavia, pode servir para sabermos melhor os terrenos que pisamos.

Em 1965, o Concílio calculava em dois mil milhões (2.000.000.000) o número de não-cristãos (AG, n.º 10). Vinte e cinco anos depois, em 1990, João Paulo II refere que este número quase duplicou (RM, n.º 3). É sempre útil consultar os números referidos no "International Bulletin of Missionary Research", que calculava para esse ano de 1990 três mil quatrocentos e quarenta e nove milhões e oitenta e quatro mil (3.449.084.000) não-cristãos, e para o ano 2000 o número de quatro mil e sessenta e nove milhões e seiscentos e setenta e dois mil (4.069.672.000) não-cristãos. Em 2006 esse número subia para quatro mil e trezentos e setenta e três milhões e setenta e seis mil (4.373.076.000) não-cristãos.

As estimativas apontam para 2025 uma população mundial de 7.851.455.000, com 2.630.559.000 cristãos (1.334.338.000 católicos), e 5.220.896.000 não-cristãos. Isto, sim, deve deixar-nos interrogados e levar-nos a tomar uma consciência mais viva do testemunho cristão que damos.


Que lugar tem o anúncio da Verdade num mundo cada vez mais plural e multifacetado?

A velha questão de Pilatos - «O que é a verdade?» - é mesmo uma questão velha, mal formulada e ultrapassada. Por isso, Jesus não respondeu. Nós não perguntamos «O que é a verdade?», mas «Quem é a verdade?». A verdade não é uma coisa ou uma ideia, mas uma pessoa que ama até ao fim. Esta verdade pessoal, é óbvio que devemos cultivá-la e testemunhá-la sempre, sejam quais forem as coordenadas geográficas, religiosas ou culturais em que vivamos. Seja o mundo plural ou singular. Amar o outro, diferente de mim, até ao fi m, é a verdade. E é verdadeiramente esta a atitude que conta. Não se trata, vê-se bem, de querer impor qualquer coisa seja a quem for.


As novas formas de Missão são uma forma «light» do compromisso para toda a vida de outros tempos?

Pode fazer-se turismo toda a vida ou apenas algum tempo. A Missão é dedicação total, com toda a intensidade, seja por toda a vida ou apenas por um dia. A Missão verdadeiramente vivida nunca é «light»; se é «light», não é missão. Compreendo que a pergunta tenha a ver com os jovens que, generosamente, querem dedicar algum tempo da sua vida ao serviço dos seus irmãos diferentes e mais pobres. Quem o faz por amor, um dia que seja, terá encontrado a alegria do Reino de Deus. Basta um simples copo de água com amor, diz bem o Evangelho. É óbvio que o mundo está a mudar e a missão também.

Haverá sempre missionários ad vitam (para toda a vida, ndr). A missão temporária é do nosso tempo e vai aumentar. Lembremo-nos que há um século atrás só os homens (padres e religiosos) iam em missão. Hoje, 80 % do pessoal missionário são mulheres! A medida será sempre a medida do amor! Seja muita ou pouca gente, muito ou pouco tempo!


É preciso investir mais no anúncio aos que já ouviram falar de Jesus e não o acharam relevante?

É preciso investir sempre tudo para todos. Para os que ouviram e para os que não ouviram. Os que ouviram, se não o acharam relevante, é porque não ouviram. Ou talvez porque nós não soubemos transmitir. Os judeus piedosos ainda hoje dizem: «se amanhã os meus filhos não seguirem a nossa religião, a culpa não é deles; a culpa é nossa, porque não soubemos transmitir-lhes toda a beleza do judaísmo». O mesmo podemos dizer do cristianismo. O mal não está sempre nos outros. Também está em nós. É, portanto, necessário amar este mundo e as pessoas e anunciar-lhes ou testemunhar-lhes Cristo, que não é uma ideia ou uma causa morta, mas uma pessoa viva no meio de nós. Não há primeiro anúncio e segundo ou terceiro anúncio. O anúncio, para ser verdadeiro e se é verdadeiro, é sempre primeiro! Começa por fazer estragos em nós! O segundo ou terceiro é requentado: não empenha quem o faz nem quem o recebe!

Como classifica a situação missionária da Igreja em Portugal?

É inegável que os Institutos Missionários continuam a escrever páginas selectas de vigor missionário, arrastando atrás de si muitos jovens e cooperadores. No que diz respeito às nossas dioceses e paróquias, a situação parece-me bastante sossegada, no mau sentido, como quem diz que isso não é connosco. É imperioso e absolutamente urgente que a Igreja portuguesa se empenhe, no seu todo, numa vastíssima campanha de verdadeira formação de evangelizadores, para que se possa, logo que possível mas de forma sistemática, levar o Evangelho a todas as camadas da população portuguesa (crianças, jovens, adultos e idosos) e pelo mundo fora.

Não podemos mais ficar tranquilamente dentro das igrejas, sacristias e salões paroquiais, de braços cruzados, à espera que as pessoas venham ter connosco. Somos nós que devemos ir ao encontro das pessoas. E o paradigma é o anúncio ad gentes, e não uma pastoral de manutenção. Rasgar horizontes significa não ficar a olhar apenas para o umbigo, mas abrir-se ao diferente. Aprender outra vez a viver e a anunciar o Evangelho. Sei lá, vejo que as nossas paróquias assentam quase todas as baterias nas crianças, para as quais se orienta uma parte substancial dos esforços pastorais. A comparação pode ajudar. É como se, em Portugal, 90% dos médicos fossem pediatras. Restavam 10 % para a população adulta! Vê-se bem que temos de mudar bastantes coisas.

O que se pode esperar do Congresso Missionário recentemente realizado?

Esperar? Por quem ou por quê? É claro que são precisas directrizes. Vamos prepará-las. Mas eu acredito e sei que a aragem do Espírito anda por aí. O assunto diz respeito a todos os baptizados, que não precisam de pedir licenças para evangelizar. Sobretudo os fiéis leigos, cuja acção pode e vai chegar a todos os recantos onde nasce e cresce a vida: na família, no bairro, na escola, na fábrica, no hospital… É importante sensibilizar os sacerdotes. Mas eu concordo com D. Francesco Lambiasi, bispo de Rimini, na Itália, que disse (eu ouvi) e escreveu (eu li): «A evangelização, ou a fazem os leigos ou não se faz». Eles estão e chegam melhor ao coração do mundo. Antevejo uma grande seara em movimento.

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