26 fevereiro 2024

Mensagem do Bispo da Guarda - Dia Nacional da Caritas - 03 março 2024


Celebramos o Dia Nacional da Caritas no III Domingo da Quaresma, este ano, dia 3 de março.

Nesse dia e durante a semana que o precede, vamos lembrar a nós e às nossas comunidades, em espírito de verdadeira conversão quaresmal, o que Evangelho nos diz – “Só o amor transforma”.

Esta iniciativa junta toda a rede Caritas em Portugal e pretende, a partir deste tema bíblico de fundo e comum a todos, chamar a nossa atenção para a ação social e as atividades pastorais que lhe dão suporte; e, ao mesmo tempo, promover angariação de fundos para os programas que a rede Caritas em Portugal está a desenvolver. O objetivo é sensibilizar as pessoas e motivar as comunidades para o cuidado que devem ter com os que se encontram em situações mais difíceis.

Todos temos obrigação de cuidar bem uns dos outros e as comunidades têm de saber  colocar esta mesma obrigação no centro das suas preocupações e programas.

Ora,  há indicadores de que o número de pessoas em Portugal que precisam de ajuda para obviar à suas necessidades primárias não só não tem diminuído, mas, pelo contrário,  aumentou significativamente nos últimos 4 anos,  comparativamente com os 4 anos anteriores. Isto mesmo nos diz um estudo desenvolvido, no âmbito do Observatório Caritas, de que resultou o documento “Pobreza e exclusão social em Portugal”, que vai ser publicado durante a próxima semana, a  Semana Nacional da Caritas.

Segundo este estudo, mais de 500 mil pessoas em Portugal estão em “privação material severa”, dados confirmados pelo instituto Nacional de Estatística. Mais de 240 mil pessoas não têm para a sua alimentação primária, mais de 700m mil não têm pata adquirir roupa e mais de 2 milhões têm de suportar o frio do inverno, sem meios para o combater. O número dos sem abrigo, particularmente nos grandes centros urbanos, não pára de crescer, como também é preocupante a situação dos que vivem em alojamento precário.

Ora, esta Semana da Caritas há de servir, pro um lado,  para lembrarmos às comunidades a obrigação de cuidar bem dos mais carenciados, através da instituição Caritas ou de outras formas; por outro, para lembrar à sociedade em geral e aos seus poderes públicos que precisamos de políticas mais exigentes e determinadas para ajudar os mais vulneráveis. O esforço por erradicar  a pobreza mais extrema é única maneira de levar a sério a preconizada “Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-30”.

Falando para as nossas comunidades, a certeza do Evangelho de que só o amor transforma obriga-nos a ser criativos, na procura dos melhores caminhos para lhe dar cumprimento. E essa criatividade tem de ser de todos, pois nenhuma comunidade pode estar satisfeita enquanto não encontrar formas organizadas de identificar os que mais precisam para depois cuidar bem deles.

Que esta semana a todos nos desperte para sabermos cuidar bem uns dos outros.

24.2.2024

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda

 


14 fevereiro 2024

Mensagem da Quaresma 2024 do Bispo da Guarda, D. Manuel Felício

 

Foto: web, Pe Hugo Martins

A Quaresma - Caminhada de Fé rumo à liberdade

 

A Quaresma é sempre um forte apelo à responsabilidade das pessoas e das comunidades para reverem as suas vidas, reconhecerem os seus percursos errados e lhes darem o rumo certo.

Para nos orientar e motivar neste esforço de travessia do deserto, contamos com a iniciativa do próprio Deus, que vem ao nosso encontro, na Pessoa de Jesus e na luz e força do Espírito Santo.

Como nos lembra o Papa na sua Mensagem, a Quaresma é tempo de graça em que o deserto volta a ser o lugar do primeiro amor (Os. 2,16-17).

É tempo para revivermos o cuidado que Deus tem por todos e cada um de nós, pois Ele vem, uma e outra vez, e surpreende-nos com a sua presença e com os caminhos novos que nos aponta; e também para despertarmos em nós a obrigação de cuidarmos bem uns dos outros e da própria casa comum que habitamos. Essa mesma obrigação nos lembra o Papa, na sua Mensagem, quando convida para “o cuidado com a criação e a inclusão de quem não é visto ou marginalizado”.

Precisamos, por isso, de cultivar a vigilância sobre as nossas pessoas e sobre a vida da Igreja e do próprio mundo, quer para sentirmos o cuidado de Deus, quer para reforçarmos o nosso.

 

O encontro mais intenso com a Palavra de Deus e a oração, assim como o cuidado dos outros, especialmente quando os outros são os mais fracos e vulneráveis, têm de fazer parte do nosso programa quaresmal.

Por sua vez, a revisão de vida, através do exame de consciência mais apurado e a procura do perdão do Senhor no Sacramento da Reconciliação, são igualmente caminho que não podemos dispensar, como nos lembra este tempo forte da Quaresma. Ajudam-nos momentos de paragem, para leitura da nossa vida pessoal e comunitária, à luz da Palavra de Deus. E os retiros, recoleções e outros momentos de reflexão e oração propostos pelos programas quaresmais das comunidades, sejam de paróquias, de arciprestado ou outros, constituem oportunidades que temos de saber aproveitar.

A tradição do jejum, da oração e da esmola não perdeu nenhuma atualidade e continua a ser método válido para progredirmos na prática da caridade e, em geral, na nossa conversão. Assim nos iremos preparando para que a Páscoa seja, de verdade, a vida nova de Cristo Ressuscitado a espelhar-se, o mais possível, nas nossas vidas.

Por sua vez, as promessas batismais, que renovaremos na Noite Pascal, queremos que sejam o ponto de chegada deste percurso de renovação da Fé a que a Quaresma nos convida. Com elas professamos também a verdadeira liberdade dos filhos de Deus.

Estamos já habituados a fazer renúncia quaresmal em favor de alguma necessidade que nos é recomendada. Este ano, tendo em conta que a Liga dos Servos de Jesus celebra o seu centenário, vamos dirigir a nossa renúncia quaresmal para o centro missionário que a mesma Liga criou em Angola. Este centro missionário consta de uma escola do ensino básico que, agora sob orientação do Bispo Diocesano local, acolhe 500 alunos. Ao lado, há um centro de espiritualidade, que a pandemia obrigou a fechar. É especialmente para a reabertura deste centro missionário de espiritualidade que queremos dirigir o nosso contributo da renúncia quaresmal, contando com a cooperação dos missionários da Boa Nova.

Com a bênção de Deus e a companhia carinhosa e maternal de Nossa Senhora, procuremos viver, com muita esperança, a caminhada desta Quaresma, no espírito sinodal que nos é recomendado.

Guarda, 9.2.2024

+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda

08 fevereiro 2024

32.º Dia Mundial do Doente - 11 fevereiro 2024 - Mensagem do Papa Francisco


 «Não é conveniente que o homem esteja só».

Cuidar do doente, cuidando das relações

 

«Não é conveniente que o homem esteja só» (Gn 2, 18). Desde o início, Deus, que é amor, criou o ser humano para a comunhão, inscrevendo no seu íntimo a dimensão das relações. Assim a nossa vida, plasmada à imagem da Trindade, é chamada a realizar-se plenamente no dinamismo das relações, da amizade e do amor mútuo. Fomos criados para estar juntos, não sozinhos. E precisamente porque este projeto de comunhão está inscrito tão profundamente no coração humano, a experiência do abandono e da solidão atemoriza-nos e olhamo-la como dolorosa e até desumana. E isto agrava-se ainda mais no tempo da fragilidade, da incerteza e da insegurança, causadas muitas vezes pelo aparecimento dalguma doença grave.

Penso, por exemplo, em todos aqueles que permaneceram terrivelmente sós durante a pandemia de Covid-19: pacientes que não podiam receber visitas, mas também enfermeiros, médicos e pessoal auxiliar, todos sobrecarregados de trabalho e confinados em repartições isoladas. E não esqueçamos quantos tiveram de enfrentar sozinhos a hora da morte, assistidos pelos profissionais de saúde, mas longe das suas famílias.

Ao mesmo tempo associo-me, pesaroso, à condição de sofrimento e solidão de quantos, por causa da guerra e suas trágicas consequências, se encontram sem apoio nem assistência: a guerra é a mais terrível das doenças sociais e as pessoas mais frágeis pagam-lhe o preço mais alto.

Contudo, é preciso assinalar que, mesmo nos países que gozam da paz e de maiores recursos, o tempo da velhice e da doença é vivido frequentemente na solidão e, por vezes, até no abandono. Esta triste realidade é consequência sobretudo da cultura do individualismo, que exalta a produção a todo o custo e cultiva o mito da eficiência, tornando-se indiferente e até implacável quando as pessoas já não têm as forças necessárias para lhe seguir o passo. Torna-se então cultura do descarte, na qual «as pessoas já não são vistas como um valor primário a respeitar e tutelar, especialmente se são pobres ou deficientes, se “ainda não servem” (como os nascituros) ou “já não servem” (como os idosos)» (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 18). Esta lógica permeia também, infelizmente, certas opções políticas, que não conseguem colocar no centro a dignidade da pessoa humana com as suas carências e nem sempre proporcionam as estratégias e recursos necessários para garantir a todo o ser humano o direito fundamental à saúde e o acesso aos cuidados médicos. Ao mesmo tempo, o abandono das pessoas frágeis e a sua solidão acabam favorecidos ainda pela redução dos cuidados médicos apenas aos serviços de saúde, sem serem sapientemente acompanhados por uma «aliança terapêutica» entre médico, paciente e familiar.

Faz-nos bem voltar a ouvir esta frase bíblica: «não é conveniente que o homem esteja só». É pronunciada por Deus ao início da criação, revelando-nos assim o significado profundo do seu projeto para a humanidade, mas ao mesmo tempo também a ferida mortal do pecado, que se introduz gerando suspeitas, fraturas, divisões e consequente isolamento. Este atinge a pessoa em todas as suas relações: com Deus, consigo mesma, com o outro, com a criação. Tal isolamento faz-nos perder o significado da existência, tira-nos a alegria do amor e faz-nos provar uma sensação opressiva de solidão nas sucessivas passagens cruciais da vida.

Irmãos e irmãs, o primeiro cuidado de que necessitamos na doença é uma proximidade cheia de compaixão e ternura. Por isso, cuidar do doente significa, antes de mais nada, cuidar das suas relações, de todas as suas relações: com Deus, com os outros – familiares, amigos, profissionais de saúde –, com a criação, consigo mesmo. É possível? Sim, é possível; e todos somos chamados a empenhar-nos para que tal aconteça. Olhemos para o ícone do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37), contemplemos a sua capacidade de parar e aproximar-se, a ternura com que trata as feridas do irmão que sofre.

Recordemos esta verdade central da nossa vida: viemos ao mundo porque alguém nos acolheu, somos feitos para o amor, somos chamados à comunhão e à fraternidade. Esta dimensão do nosso ser sustém-nos sobretudo no tempo da doença e da fragilidade, e é a primeira terapia que todos, juntos, devemos adotar para curar as doenças da sociedade em que vivemos.

A vós que vos encontrais na doença, passageira ou crónica, quero dizer-vos: Não tenhais vergonha do vosso desejo de proximidade e ternura. Não o escondais e nunca penseis que sois um peso para os outros. A condição dos doentes convida-nos a todos a abrandar os ritmos exasperados em que estamos imersos e a reentrar em nós mesmos.

Nesta mudança de época que vivemos, especialmente nós, cristãos, somos chamados a adotar o olhar compassivo de Jesus. Cuidemos de quem sofre e está sozinho, porventura marginalizado e descartado. Com o amor mútuo que Cristo Senhor nos oferece na oração, especialmente na Eucaristia, tratemos das feridas da solidão e do isolamento. E deste modo cooperamos para contrastar a cultura do individualismo, da indiferença, do descarte e fazer crescer a cultura da ternura e da compaixão.

Os doentes, os frágeis, os pobres estão no coração da Igreja e devem estar também no centro das nossas solicitudes humanas e cuidados pastorais. Não o esqueçamos! E confiemo-nos a Maria Santíssima, Saúde dos Enfermos, pedindo-Lhe que interceda por nós e nos ajude a ser artífices de proximidade e de relações fraternas.

Roma – São João de Latrão, 10 de janeiro de 2024.

FRANCISCO