Domingo, 26 de Outubro de 2025
XXX Domingo do Tempo Comum – Ano C
Sir 35, 15b-17.20-22a; Sl 33; 2 Tm 4, 6-8.16-18;
Lc 18, 9-14
O ensinamento
do sábio Ben Sirá, herdeiro da milenar doutrina profética da justiça e do amor
preferencial de Deus pelos pobres e oprimidos, conduz aos cumes da verdadeira
espiritualidade bíblica. O Deuteronómio advertiu-nos de que Deus «não
faz acepção de pessoas» e «não favorece ninguém em prejuízo do pobre» (Dt
10, 17), ao contrário dos homens, que têm os seus favoritismos baseados em
preconceitos sociais, raciais ou ideológicos, prejudicando a vida dos humildes.
Esta doutrina será largamente aplicada por Jesus na Sua práxis de pregação e de
libertação, tal como pelos apóstolos e pelos evangelistas, que a registaram nos
seus escritos e a difundiram universalmente. Na Sua infinita misericórdia, Deus
nunca falta ao encontro com todos aqueles que, conscientes dos seus próprios
defeitos e debilidades, procuram a Sua ajuda e o Seu perdão. Aos soberbos, pelo
contrário, deixa-os vaguear, confusos, nos orgulhosos pensamentos do seu
coração.
A parábola que
Jesus contou a propósito do publicano e do fariseu mostra a Sua maneira de ver
as pessoas, que é a forma correcta do olhar de Deus, porque Ele não julga pelas
aparências nem com base em preconceitos, mas por aquilo que vê com clareza nas
profundezas do coração humano, discernindo a verdadeira motivação que gera as acções
e as orações das pessoas.
Com efeito,
encontramos pela primeira vez a declaração do sábio Ben Sirá, segundo o qual «Deus
não faz acepção de pessoas», na boca dos adversários de Jesus que, embora
estivessem a conspirar contra Ele, tiveram de reconhecer publicamente a Sua
perfeita integridade moral, dizendo: «Mestre, sabemos que falas e ensinas com
rectidão e não tens em consideração as aparências, mas ensinas o caminho de
Deus de acordo com a verdade» (Lc 20, 21; cf. Mt 22, 16). É este
o caminho de Deus, que Jesus praticou e ensinou. É uma práxis evidente, não só
na forma como Ele Se aproxima das pessoas humildes e daquelas que são excluídas
e marginalizadas por serem consideradas pecadoras, como as prostitutas e os
publicanos, ou impuras e malditas, como os leprosos, mas que se distingue em
toda a sua acção evangelizadora, abatendo todas as barreiras da discriminação,
quer religiosa quer social ou racial. Jesus, com efeito, aceita escutar o
humilde pedido do centurião romano e vai a sua casa curar o seu servo. Além
disso, nas Suas viagens contínuas como Mestre itinerante, visita a região dos
samaritanos e muitas vezes os elogia. Entrando nos territórios pagãos, chega à
região de Tiro e cura a filha de uma mulher siro-fenícia. Atravessando para o
outro lado do lago de Tiberíades, encaminha-Se para a Decápole e cura pessoas
atingidas por várias doenças. As repetidas travessias do lago da Galileia
revelam o poder de Jesus sobre a realidade, simbolicamente significada pelo
mar: Ele é capaz de acalmar a sua força ameaçadora e de caminhar sobre o seu
abismo. O mar aterrador, símbolo das forças do mal, deixa de ter uma função de
separação, transformando-se numa ponte e, através do ministério de Jesus,
realiza a reconciliação das duas partes: a judaica e a pagã.
Na sinagoga de
Nazaré – onde tinha apresentado o programa do Seu ministério –, Jesus tinha
desafiado os Seus ouvintes sobre a posição de Israel em relação aos outros
povos considerados não-eleitos. Com efeito, os presentes tinham reagido de
forma negativa, condenando a Sua afirmação sobre o cumprimento das profecias. O
exemplo de Elias, que foi enviado à viúva fenícia, e de Eliseu, que curou o
leproso sírio, Naamã, foram suficientes para demonstrar que Deus não faz acepção
de pessoas, mas que todas as criaturas são preciosas aos Seus olhos. Como diz o
salmista: «O Senhor é muito bom para todos, a Sua ternura abraça toda a
criatura. Ele está próximo de todos aqueles que O invocam com sinceridade (cf. Sl
145, 17-18). O salmista não menciona qualquer raça ou nacionalidade específica
nem o estado ou a cor da pele. Se o amor de Deus permeia todas as criaturas, é
porque todas elas são obra Sua e, portanto, o Seu amor é um amor universal,
cheio de solicitude para com todos os seres humanos, sem discriminação alguma.
Isso não nega
o facto de Israel ter sido escolhido por Deus para entrar numa relação especial
de aliança com Ele. Essa eleição, porém, estava em função de uma missão
específica em favor de todos os povos, como testemunho da presença do Deus vivo
na história como libertador dos oprimidos e salvador do ser humano em toda a
sua realidade: «Vós sois as Minhas testemunhas – oráculo do SENHOR, os meus
servos, a quem Eu escolhi, para Me conhecerdes e acreditardes em Mim e para
compreenderdes que Eu sou o mesmo! Antes de Mim não foi formado qualquer deus e
depois de Mim também não existirá» (Is 43, 10) Com efeito, Deus não só
escolheu o Seu servo, mas também o constituiu e instruiu: «Eu, o SENHOR,
chamei-te na justiça e segurei-te pela mão; formei-te e estabeleci-te como
aliança do povo e luz dos povos, para abrir os olhos dos cegos, para fazer sair
da prisão os prisioneiros e da masmorra os que moram nas trevas» (Is 42,
6-7) Analisando mais a fundo o ensinamento de Jesus na parábola do publicano e
do fariseu no Templo, apercebemo-nos de que o que faz a diferença é
precisamente aquilo que se encontra no coração humano posto a nu pela presença
de Deus na oração.
Seja como for,
é com a intenção de rezar que o publicano e o fariseu se dirigem ao Templo,
partilhando assim, por uns instantes, o mesmo lugar sagrado. No entanto, será o
modo particular como cada um deles concretizará essa intenção que determinará o
seu destino respectivo e o seu estado espiritual final. O publicano, tendo tido
a humildade e a sinceridade de reconhecer a sua indignidade e o seu pecado e de
implorar o perdão de Deus, regressa a casa como um homem melhor, interiormente
transformado, reconciliado: frente à sua oração autêntica, a graça divina não
se fez esperar. Mais uma vez se verificou que «todo aquele que se exalta será
humilhado e quem se humilha será exaltado» (Lc 18, 14b).
O fariseu,
pelo contrário, é prisioneiro da sua torre de orgulho espiritual. Demasiado
consciente das suas próprias obras pias meritórias e da excelência da sua
classe sócio-religiosa, julga-se superior e melhor do que todos os outros,
levantando barreiras entre si e eles, insultando-os e desprezando-os. Ele
talvez fosse bom e piedoso até àquele momento, mas a atitude manifestada
revelou a arrogância presente no seu coração, minando a sua suposta virtude a
partir do seu interior.
Por isso, não
nos devemos colocar diante de Deus, no Templo, para nos auto-celebrarmos e
contemplarmos numa postura auto-referencial, olhando os outros de cima para
baixo. Devemos colocar-nos diante d’Ele para um encontro de amor e para
encontrarmos os outros n’Ele. Nesse sentido, a oração é contemplação do Senhor,
celebração das maravilhas que a Sua graça realiza em cada dia no seio da
fragilidade humana, celebração da Sua incansável misericórdia, que reanima
aquele que está caído e que deseja levantar-se.
Escutando esta
parábola, a tentação imediata poderia ser metermo-nos na pele do publicano,
simplesmente porque ele é visto numa luz positiva. E se isso acontecesse, seria
sinal da enganosa mania humana de tranquilizar a consciência. Por outro lado, a
parábola convida-nos a olhar para dentro de nós, a fim de removermos toda a
nossa auto-suficiência e todo o nosso desprezo pelos outros, a fim de
reencontrarmos um coração simples, humilde e fraterno, que saiba pousar sobre
si próprio e sobre os outros um olhar misericordioso e cheio de esperança.
Nesse sentido, devemos interrogar-nos com frequência sobre o modo como rezamos.
O que nos revela o mesmo sobre a profundidade e a qualidade do nosso coração? O
que nos revela sobre nós próprios, sobre a maneira como nos relacionamos com os
outros, como os vemos espontaneamente na sua relação connosco? O que nos revela
da nossa relação com Deus e com a Sua salvação?
O Papa
Francisco recorda-nos frequentemente a centralidade da oração para a Igreja e
para a sua missão. A oração é a alma da missão: quase como se dissesse que a
eficácia do encontro pessoal com Cristo, a justa medida da relação consigo
mesmo e com o mundo à luz do Espírito Santo, estão na raiz da experiência da
verdade que salva. O discípulo missionário, graças à oração, inclui-se sempre a
si próprio no número daqueles que necessitam da salvação que é chamado a
anunciar e dos sacramentos que deve comunicar. A verdade é que a missão de
evangelização que nos é confiada enquanto Igreja não poderia ser conduzida com
verdade se adoptássemos uma atitude dominadora no encontro com os outros,
seguros e convencidos da nossa superioridade moral e religiosa. A missão deve
ser uma humilde proposta da amizade de Cristo, no respeito infinito pela
liberdade religiosa dos homens e das mulheres da nossa época, das suas culturas
e da sua história. Verdadeira humildade nunca é ausência de verdade. É, antes,
presença eficaz de uma verdade que julga, perdoa e salva quem anuncia e os seus
interlocutores.
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